Um anjo

 

Minha casa não tem campainha. Estragou faz tempo e não senti falta. Então, se alguém quer entrar que bata na porta. Dá no mesmo, principalmente porque ninguém quer entrar. O negrão Clemenciano entrou uns dois anos atrás, era alguma coisa urgente que não lembro mais, e vi a cara dele quando sentou na sala e olhou em volta. Nenhum comentário. Não falou da sujeira, nem da esculhambação, nem do pacote de pizza em cima da mesa, que estava levemente mal cheiroso. Falamos da tal coisa urgente que não lembro mais e saímos juntos. Boa gente, o Clemenciano.

Como não tenho campainha, e como estava de ressaca, depois de seis cachaças com butiá no Majestade, que me recolocaram nos eixos depois de quase perder a cabeça e rachar a cabeça do filho da puta que estava desviando drogas do Hospital Getúlio Vargas e não revelava como, demorei pra ouvir as batidas na porta. Ela deve ter usado as mãos por algum tempo, eu continuei roncando, e aí ela perdeu a paciência e enfiou o pé, uma porrada que me assustou e que, se eu tivesse um revólver, me levaria a, quem sabe, empunhá-lo mais uma vez.
Levantei, saí do quarto – de calção e camiseta de física – e perguntei na direção da porta:
“O que é, caralho?”
Uma voz feminina, doce e desconhecida, respondeu:
“Preciso falar com o senhor. Sou a enfermeira Clara.”
Abri a porta e vi um anjo.
“Posso entrar?”
E foi entrando, com a graça, a leveza e a autoridade dos anjos. Não tinha asas, mas não faziam falta. Estava toda de branco, dos sapatos ao chapeuzinho na cabeça. Até a bolsa grande, que pendia do cotovelo direito, era branca. E ela era linda. Não era uma criança, tinha talvez 30 anos. A percepção da idade, contudo, não vinha de pés-de-galinha, rugas, ou qualquer outro sinal de passagem do tempo por aquele corpo, que, se não era divino, pelo menos estava nas boas graças do Todo Poderoso. Vinha dos olhos, que me penetravam com uma intensidade que a juventude não tem e nunca terá.
“Posso sentar?”, perguntou o anjo.
Eu continuava com a mão no trinco da porta, transformado numa estátua de sal, como a mulher de Loth depois que viu o fogo do céu abatendo-se sobre Sodoma e Gomorra, ou como aqueles sujeitos de Pompéia que, atingidos pela fumaça e pelas cinzas venenosas do Vesúvio, nem tiveram tempo de fazer pose antes de virarem atrações turísticas. Na hora eu não pensei nada disso, nem fiz essas comparações bacanas. Minha cabeça também estava paralisada. Falo essas coisas porque esses dias vi um programa de TV chamado “Grandes tragédias da humanidade: mitos e verdades”, e ali tinha uma pintura da mulher de Loth e umas fotos dos coitados de Pompéia.
“Desculpe vir nessa hora”, disse o anjo, ainda de pé, no meio da minha sala, numa terça-feira às seis da manhã. “Meu plantão no hospital terminou há pouco, e eu tenho certa urgência.”
Anjo com plantão? Anjo com urgência? Estranho. Comecei a descongelar e fechei a porta. Apontei para o sofá, o móvel mais confiável da sala. Ela sentou e cruzou as pernas. Achei que continuar a conversa com minha barriga transbordando por baixo da camiseta e fazendo aquela dobra por cima do calção não seria educado.
“A senhora me dá um minuto, que vou no quarto trocar de roupa.”
“Claro. Posso usar o banheiro? Também queria me livrar desse uniforme.”
Pensei no estado do meu banheiro e pensei em dizer não.
“A faxineira não veio ontem, e ele está um pouco sujo…”
Ela sorriu, mostrando os dentes brancos e perfeitos, e disse:
“Imagina! Eu nem vou reparar. É só pra trocar de roupa.”
E foi levantando e seguindo pro banheiro. Entrei no quarto, botei uma bermuda, troquei a camiseta de física pela minha mais respeitável camisa de abotoar e calcei as havaianas. Sapato também era demais. Quando saí, ela ainda estava no banheiro, com a porta fechada. Sentei na cadeira e esperei, curioso e, melhor confessar logo, já um pouco excitado. Um anjo estava trocando de roupa no meu banheiro, acontecimento que certamente teria um índice de repetições bem menor, nos próximos cinqüenta anos, que as erupções do Vesúvio nessa semana. Quando a porta abriu, e ela voltou, não vi mais um anjo.
O que vi? Uma mulher maravilhosa. Os cabelos, antes presos num coque e escondidos pelo chapeuzinho, agora caíam, muito negros, sobre os ombros. O rosto, que antes tinha uma graça celestial e pouca maquiagem, o que concentrara a minha atenção nos olhos escuros, agora era uma sucessão de texturas, brilhos e cores. As sobrancelhas pareciam mais curvas, altas e evidentes. As pálpebras tinham recebido um leve tom azul, e os cílios, antes discretos, agora funcionavam como cortinas, abrindo e fechando graciosamente o acesso aos olhos chispantes, num ritmo hipnotizador. E a boca, bom, dá pra falar bastante daquela boca. Ela não era vermelha como a boca das putas da rua Capitão Fabre, aquele vermelho barato, bagaceiro, vulgar. Era um vermelho caro, sofisticado, de capa de revista de moda. Lábios nem grossos, nem finos. Lábios perfeitos, esculpidos por um cara que sabia das coisas.
Ela tinha usado todas as armas – sombra, delineador, corretivo, batom, rímel – que eu vira minha amiga Neusa usar incontáveis vezes antes de sair à cata de clientes. Neusa gostava de me contar seus truques, inclusive os que usava na cama com os brochas na esperança que eles ficassem excitados. Mas as mesmas armas funcionavam diferente na enfermeira Clara. Em vez do cartaz que ficava pendurado no pescoço de Neusa berrando “Me coma, é barato”, o daquela mulher à minha frente advertia: “Só para gourmets!”. Eu nunca fui gourmet, a não ser que os ovos cozidos do Majestade ou o bastantão da tia Júlia passem a ser iguarias. A Neusa, toda maquiada, se achava parecida com a Índia Poti, dançarina do Chacrinha nos anos 80. Já a enfermeira Clara deve ser parecida com atrizes de filmes que eu nunca verei, porque sou chinelão demais e estou sempre no canal errado.
Definitivamente, nada daquilo era real. Alguém tinha jogado alguma coisa além de butiá na cachaça do Majestade. Já era difícil de acreditar que aquela mulher fresca, elegante e à vontade, com um jeans colado ao corpo e uma camiseta branca de algodão bem leve, com o mais poderoso decote em “V” que eu já vira, estava na minha frente. Sem sutiã. Tudo isso ainda estava no limite do verossímil: uma enfermeira saindo cansada do plantão, mas disposta a expor caridosamente um pouco de sua beleza para um pobre inspetor de Sapucaia do Sul. O que não dava pra acreditar era nas sandálias de salto alto que substituíam os sapatos hospitalares. Ela tinha tornozelos finos, e as sandálias, com finas tiras de couro preto, envolviam os pezinhos divinamente. Só faltou dizer que Clara não era alta, Talvez até fosse baixa. Para mim, esse detalhe somava pontos, em vez de diminuir, por razões que não vou contar agora.
De repente, ela estava outra vez no sofá, me olhando, sorrindo e dizendo:
“Bonita camisa, inspetor,”
“Obrigado.”
“Você deve achar estranho eu estar aqui. Quem me deu seu endereço foi o inspetor Jeferson, lá na Delegacia.”
“Certo.”
“Tenho que dizer que não gostei muito dele.”
Então ela sorriu, abrindo levemente a boca. E foi nesse momento que percebi minha ereção. Nem uma erupção do Vesúvio seria mais evidente. Eu tinha colocado uma bermuda velha e fina, sem me preocupar em usar cueca, até porque não havia nenhuma exatamente limpa. Ela continuou:
“A enfermeira Salete, que eu sei que é sua amiga, me contou que você é uma pessoa maravilhosa.”
A ereção aumentou. Salete tinha sido a última mulher que fizera sexo – ou, digamos, algo que se aproxima do sexo – comigo sem ser profissional do ramo. Era minha amiga, como Neusa. Eu achava que Neusa tentava foder comigo por interesse, enquanto Salete simplesmente tinha pena de mim. Clara seguia falando, sem ligar para o volume na minha bermuda, que eu tentava esconder com as mãos sobre o colo:
“Quando eu vim de São Paulo pra cá, a primeira amizade que fiz foi com a Salete. Mas ela não sabia o seu endereço. Por isso tive que ir na delegacia.”
Eu nunca tive coragem de trazer Salete pra casa. Nos encontramos duas vezes num motel da BR-116, perto do Hospital Getúlio Vargas. Na segunda vez, uns seis meses antes daquele diálogo, eu decidira que não valia a pena gastar oitenta reais de motel e vinte de Viagra se o meu pau ficava, no máximo, com muita boa vontade, meio emborrachado, e a Salete ficava, no máximo, com mais boa vontade ainda, meio excitada. Com Neusa era um pouco diferente: o pau ficava emborrachado do mesmo jeito, mas ela tanto insistia, tanto esfregava, tanto fingia – afinal das contas, era uma profissional experiente – que às vezes até conseguia uma discreta erupção, mesmo que o Vesúvio tivesse a consistência de um pudim.
Devido a esse triste histórico, meu estado era muito mais que o resultado natural da exposição dos meus sentidos a uma mulher sensual. Eu tinha recebido um fogo divino no meio das pernas e via o meu pau abandonar o túmulo. Como Lázaro, ele tinha ouvido um chamado – “Levanta-te e anda” – tinha levantado e queria andar. Porra, aquilo tudo era absurdo, mas o pau não estava nem aí. E ela continuou:
“Não sei bem como começar… Desculpa.”
E levantou-se, desviando os olhos, como se tivesse desistido de me contar alguma coisa. Mas logo voltou a me encarar e perguntou:
“Posso mostrar uma coisa pra você?”
“Claro.”
Ela foi até a bolsa, que deixara sobre a mesa, no fundo da sala, e pegou alguma coisa. Nessa meia dúzia de passos, equilibrando-se com a maior facilidade naquelas sandálias de salto dez, mostrou a perfeição da bunda e exibiu os contornos da calcinha fio-dental, que formavam um relevo evidente sob o jeans apertado. Porra!, minha ereção era tão poderosa que eu parecia ter voltado aos meus vinte e poucos anos, quando, por um curto e precioso período, podia comer todas as mulheres, inclusive a que eu amava. Clara veio lentamente em minha direção e, para meu êxtase e desespero, agachou-se ao lado da minha cadeira. Quando se abaixou, roçou rapidamente os seios no meu ombro. Por querer? Eu tinha certeza que sim. Ela estendeu a mão a cinco centímetros do meu pau – que eu continuava tentando esconder com as mãos – apontou para uma foto e disse:
“Eu e meu irmão.”
Era uma foto comum, colorida, um pouco desbotada. Ela estava ao lado de um sujeito nem um pouco parecido com ela, e provavelmente mais moço. Os dois sorriam bastante. Clara me olhou bem no fundos dos olhos, os seios saltando do decote, a mão quase tocando meu pau, a boca vermelha a menos de trinta centímetros da minha, e disse:
“Houve um mal-entendido com o meu irmão. Ele está preso, lá na sua Delegacia,”
Olhei outra vez para a foto e vi o que não vira antes: o cara que eu levara em cana na noite do dia anterior por estar desviando drogas do pobre sistema de saúde do município. O cara que, mesmo apanhado em sua casa com vinte embalagens de Lexotan ainda embrulhados e identificados como pertencentes ao Hospital Getúlio Vargas, negou tudo, afirmando que o pacote não era dele. O cara que, mesmo levado para a Delegacia e apertado por mim e pelo Xavier ao mesmo tempo, insistia em dizer que um desconhecido passara correndo e atirara o embrulho no pátio da sua casa, e ele o trouxera para dentro simplesmente para saber o que tinha dentro. O cara que, confrontado com as informações colhidas de um pobre garoto que tinha comprado aquela merda dele e quase morrera, disse que não sabia de nada. “Sou um especialista em internet”, disse o cara. “Projeto sites para empresas, posso até mostrar meus trabalhos mais recentes, que estão todos ali, no meu computador”. E sorriu. O mesmo sorriso que exibia na foto em que estava ao lado da mulher maravilhosa que estava com a mão quase tocando meu pau saído do túmulo.
“Eu tenho certeza”, disse ela, devagar, sempre deixando a boca levemente aberta nos intervalos entre as palavras, “que você pode fazer alguma coisa por ele.”
Eu faria alguma coisa por ele, e ela faria alguma coisa por mim, isso já estava claro. Era só eu dizer – “O que devo fazer pelo seu irmãozinho, meu anjo?” – e ela faria o serviço completo em mim. Mas eu disse:
“Com licença”. E, enquanto me levantava, pedi: “Espera um minuto, meu anjo.”
Dei as costas pra ela e fui pro quarto. Antes de entrar, dei uma olhadinha pra trás e sorri, como quem diz: “Vou pegar três camisinhas e te foder até depois de amanhã.” Ela sorriu de volta e, num único movimento gracioso, cruzou os braços sobre a cintura e tirou a camiseta. Comecei a abrir as gavetas do armário, meio tonto, o pau atrapalhando meus movimentos, até que encontrei o brinquedinho eletrônico que o Sidmar me dera, e que eu aceitara só porque não aguentava mais recusar os celulares chineses com que ele queria me presentear todos os dias. Não tenho campainha, não tenho celular e não tenho internet. Mas tinha aquela dona pelada me esperando na sala.
Quando voltei, estava esparramada no sofá, só de calcinha e sandálias. Não tentei mais esconder a ereção. Ela me chamou pro sofá e eu, obediente, sentei ao lado dela, que olhou pro meu pau.
“Ele é muito grande. Não sei se vou aguentar.”
“Só tenho esse.”
“E eu só tenho um irmão pra cuidar de mim.”
“Nesse momento, ele não pode cuidar de ninguém.”
“Por isso eu estou aqui.”
“Eu não tenho autoridade pra tirar seu irmão da cadeia,”
“Tem, sim.”
Ela tentou agarrar meu pau, mas eu segurei o braço dela.
“Antes temos que acertar alguns detalhes.”
“Tudo bem.”
“Como funciona o esquema pra desviar as drogas no Hospital?”
“Não tem esquema nenhum. Meu irmão pegou um pacote que…”
Fiz menção de me levantar, com cara de quem estava desistindo de tudo, mas ela me conteve e disse:
“Tudo bem. Eu falo.”
Fiquei quieto, esperando. Ela respirou fundo e finalmente disse o que estava pronta pra dizer desde que bateu na minha porta:
“Você quer participar do esquema?”
Continuei quieto.
“Nós podemos oferecer mil e quinhentos por mês.”
“Como funciona o esquema? Como as drogas saem do Hospital e o estoque não percebe?”
“Eu trabalho no estoque.”
“Muito conveniente.”
“É um esquema muito seguro. Tá funcionando bem há seis meses.”
Ela fez uma pequena pausa, levantou o braço e fez um carinho suave no meu rosto. Se meu pau fosse um vulcão, teria soltado fumaça. Mesmo com aquela conversa toda, a pressão da lava subterrânea continuava crescendo. Tentando me controlar, observei:
“Era seguro até que aquele guri tomar quatro Lexotan com uísque.”
“Menino idiota! O meu irmão sempre avisa pra não abusar.”
“Muito consciente, o seu irmão.”
Ela olhou outra vez para o meu pau, molhou os lábios com a língua e disse:
“E então, vamos assinar o nosso contrato?”
“Resumindo: tu e teu irmão, que tá preso na Terceira DP, montaram um esquema pra desviar drogas do Hospital Getúlio Vargas. Se eu der um jeito de soltar teu irmão, entro no esquema e passo a ganhar mil e quinhentos reais por mês. É isso?”
Ela estava perdendo a paciência.
“É. Exatamente isso. E você ainda vai ganhar a melhor trepada da sua vida.”
“A melhor?”
“Eu garanto. Olha só.”
Levantou-se, ficou bem na minha frente e tirou a calcinha. Estava toda depilada. Tinha tomado banho e colocado algum tipo de perfume íntimo. O cheiro era muito bom. Percebi que eu estava suando. A lava chegava à cratera do Vesúvio, e nada parecia capaz de detê-la. Eu levantei, apontei pra cozinha e disse:
“Gosto de fazer de pé. Fica de costas e bota as mãos ali na geladeira.”
Por um instante, ela ficou confusa, mas, olhando minha ereção mais uma vez, sorriu, confiante, e fez o que eu pedi. E lá estava aquele anjo que entrara na minha casa às seis da manhã, se transformara numa mulher maravilhosa no meu banheiro, tirara toda a roupa na minha sala e agora se apoiava com as duas mãos na minha Brastemp de segunda-mão, inclinando-se para a frente e levantando a bunda pra facilitar o meu serviço. Pena que eu não tinha pegado a câmera, seria uma foto sensacional.
“Vem, me fode”, disse a vagabunda, balançando o rabo.
Eu me aproximei, meu pau apontando diretamente para o alvo, abri sem fazer barulho o armário da cozinha, peguei as algemas e, antes que ela esboçasse qualquer reação, já tinha algemado o seu pulso esquerdo na alça da geladeira. Afastei-me rapidamente. Sei eu lá que tipo de truque aquela vadia poderia tentar. Mas ela estava tão surpresa que apenas virou-se, olhou para as algemas, depois para mim e disse:
“Isso é um fetiche?”
Meu pau já tinha desabado. O Vesúvio adormecera mais uma vez.
“Não. Isso é uma prisão.”
Falei quais eram os direitos dela, abri a bolsa branca de enfermeira, peguei emprestado o celular e liguei pra delegacia. O detetive Eliéser atendeu e eu ordenei:
“Pega uma viatura e vem urgente aqui pra minha casa.”
Devolvi o celular, peguei o gravador de áudio digital no meu bolso, apertei o botão Stop e mostrei o brinquedinho pra ela. Só aí caiu a ficha, e ela percebeu o que tinha acontecido. Fez um gesto raivoso com o braço esquerdo e com isso abriu a porta da geladeira. Eu aproveitei e peguei uma cerveja. Abri, sentei na mesinha de fórmica e tomei um gole grande. Não ofereci: aquela vagabunda não merecia.
“Quero as minhas roupas”, disse ela.
”Só se me responder uma pergunta.”
Ela ficou quieta, e eu continuei:
“Aquele sujeito preso lá na delegacia é mesmo teu irmão?”
Os olhos dela, tão lindos e tão bem maquiados, chisparam com ódio na minha direção, e aquela boca tão perfeita e tão sedutora, disparou, com toda a raiva do mundo:
“Não. Ele é meu namorado, um homem de verdade, e não um monte de banha suja e fétida que me dá vontade de vomitar, um gordo escroto de merda, um…”
Continuou me insultando sem parar, mesmo depois que eu atirei as roupas de enfermeira pra ela. Disse que eu era brocha, que mulher nenhuma, nunca mais, daria pra mim, que eu devia provocar nojo em todo mundo, que ela e o namorado logo acertariam as contas comigo, que eu devia ter problemas sexuais muito sérios, enfim, disse o que quis, sem qualquer criatividade, enquanto eu terminava calmamente a minha cerveja. Quando ouvi o barulho da viatura chegando, abri a porta para o Eliéser e expliquei rapidamente o que tinha acontecido. Ele levou a enfermeira Clara, agora algemada com os braços nas costas, até a viatura e perguntou se eu queria uma carona. Eu agradeci e disse que estava muito cansado, tinha trabalhado até tarde, e precisava descansar. Ordenei que não houvesse qualquer contato entre a enfermeira e o seu namorado enquanto eu não chegasse na DP, ali pelo meio-dia. Eliéser garantiu que isso seria feito e foi embora com a vagabunda. De volta ao meu quarto, considerei por algum tempo a possibilidade de bater uma punheta aproveitando as imagens da enfermeira Clara pelada, mas olhei para o vulcão, que agora voltara para seu habitual estado sonolento, para não dizer extinto, e fiquei com preguiça. Deitei e dormi outra vez. Como um anjo.

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