Talvez você tenha assistido, há quase vinte anos, ao péssimo filme de Brian De Palma, "A fogueira das vaidades", e não tenha lido o romance homônimo de Tom Wolfe. Nesse caso, pode ter uma péssima impressão dele. Você está enganado. Ler Tom Wolfe é um prazer, tanto na ficção quanto na não-ficção. Ou talvez você tenha ouvido ontem a palestra de Tom Wolfe no "Fronteiras do Pensamento", em especial aquela parte em que ele disse que Picasso não sabia desenhar e não entendia nada de perspectiva. Ou que o último grande romancista norte-americano foi John Steinbeck. Nesse caso, você deve achar que ele é louco, ou reacionário, ou as duas coisas juntas. Será que você está enganado?
Aprendi há muito tempo a separar a obra do seu criador, mas, quando o criador está presente – em carne, osso, terno branco e meias com losangos combinando com sapatos bicolores – é inevitável comparar o que ele diz com o que ele escreve. Assim, a palestra de Tom Wolfe, embora seus momentos divertidos, teve um gosto de pastiche, quase de farsa. Ao falar do espírito do nosso tempo, Wolfe condenou a excessiva liberdade sexual que, segundo ele, transformou os Estados Unidos numa nação dominada pela putaria (ele não usou esse termo deselegante, é claro).
Também citou Paris Hilton e disse que romancista algum, minimamente preocupado com verossimilhança, usaria todos os episódios da sua vida depravada como trama, pois leitor algum acreditaria em tanta sacanagem junta. Mais: disse que sexo em demasia acaba ocupando tempo demais na vida das pessoas, e aí fica difícil fazer coisas que interessam. E mais: que a pornografia está causando uma diminuição da natalidade em todos os países em que ela circula livremente, o que, a longo prazo, levaria a um perigoso declínio da população global.
Dá pra contestar cada um dos fatos citados antes de contestar a opinião particular de Wolfe sobre eles, mas aqui não há espaço pra isso. Prefiro pensar que, ao reduzir seus argumentos – que nos livros vêm embalados por um texto saboroso e muito mais exemplos sarcásticos – para que caibam numa palestra de uma hora, alguma coisa essencial foi perdida. Na verdade, aquele homem, apesar de ser Tom Wolfe, não fazia justiça a Tom Wolfe.
A caricatura apresentada sobre as noções de determinismo e livre-arbítrio das neurociências e da genética contemporânea não foi nem ao menos engraçada. O neurocientista mais obtuso e o psicólogo evolucionista mais idiota jamais afirmariam que os genes funcionam como um software absolutista que comanda nossas vidas. Ao colocar chimpanzés e bonobos como espécies com costumes sexuais semelhantes, Wolfe demonstrou absoluta ignorância sobre o tema. Tom Wolfe fica anos pesquisando temas que não conhece antes de escrever seus livros de ficção. Para a palestra parece não ter lido nem ao menos um livro sério sobre sociobiologia.
Quando pedi seu autógrafo, vi um homem de 78 anos que mantém sua elegância impecável e seus olhos irônicos. Consegui dizer para ele que o livro que eu colocava em cima da mesa, "Um homem por inteiro", tinha, na minha opinião, alguns pontos de contato com a obra de seu desafeto John Updike, em especial com a série Coelho. Ele sorriu e disse: "We are always fighting". Ele com certeza lembrou a crítica demolidora – e injusta – de Updike ao romance quando este foi lançado. Só não lembrou que Updike morreu há pouco. Eu ia dizer: "You can´t fight a dead man", mas a frase morreu na minha boca. Quem sou eu para lançar uma ironia contra um mestre da ironia? Em vez disso, simplesmente apertei sua mão e me despedi. Como era o último da fila, ele levantou pouco depois e foi embora. Continua sendo meu ídolo, e nada do que ele disse na palestra diminui a força sua obra literária. E eu nem falei sobre o que ele fez com o jornalismo…
Longa vida a Tom Wolfe. E que volte sempre. Eu estarei na primeira fila para aplaudi-lo.
A série musical em sete episódios “Um ano em Vortex” estreia no proximo dia 29 de novembro, na Cuboplay. Na noite anterior, um show histórico, com as sete bandas da série, acontece no bar Ocidente (ingressos à venda no Sympla).
Sessão única de A Nuvem Rosa em Londres! 14 de novembro, com debate com a diretora Iuli Gerbase. Tickets à venda no insta do @cine.brazil
Filmada em 2021, ainda sob os efeitos da pandemia e cumprindo rigorosos protocolos de saúde, a série em 10 episódios “Centro Liberdade” começa a ser exibida pela TV Brasil no próximo dia 19 de julho. Resultado do edital “TVs Públicas”, a série foi escrita e dirigida por Bruno Carvalho, Cleverton Borges e Livia Ruas, com […]
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