Primeiro Texto

Começar um blog é uma grande responsabilidade. Por isso, gostaria de comemorar este meu primeiro texto do mesmo modo que, no set, tenho comemorado o primeiro plano concluído de todos os meus filmes, desde 1979: com um gole de champanha. Não importa se nacional ou importada, não importa nem se está bem gelada. Aliás, acho que em 1979, por falta de verbas, foi um guaraná (brut, é claro). O que vale é o símbolo. Abre-se a garrafa – ou as garrafas, quando o orçamento permite – e divide-se o líquido com a equipe e o elenco, ao mesmo tempo que se promete que uma nova rolha vai voar quando o último plano for concluído.

Não sei quem inventou essa cerimônia, nem sei se outros diretores a cumprem (e aí está a primeira questão para debate neste blog), mas sei quem me mostrou o caminho: meu amigo Nelson Nadotti, no tempo em que a gente fazia super-8 e aprendia as verdades essenciais sobre o cinema e sobre a vida. Acreditem, meus drugs, esse negócio funciona. Nunca deixei de terminar um filme. Já deixei de começar, é claro, e foram vários, mas aí não tem champanha – nem guaraná – sendo aberta quando o roteiro vai pro fundo da gaveta. Tem gente que diz que "ama o cinema". Eu confesso que amo o vôo daquela rolha final, que significa o término de uma grande encrenca, a filmagem, processo tão prazeroso quanto destrutivo.

Aliás, qual é o sentido de fazer cinema? Recentemente assisti ao making-of de "Blade Runner" (vem no DVD triplo que comemora os 25 anos do lançamento) e percebi que, desde o roteiro até a estréia, a quantidade de problemas, desentendimentos, brigas e mágoas que cercam toda a produção é colossal. Aqueles caras sofreram muito para fazer o filme. Alguns deles pediram demissão no meio do caminho. A maioria gostaria de estar longe do set, que era um completo caos, cheio de fumaça e água. Todos devem ter se frustrado quando o filme estreou com críticas péssimas e bilheterias anêmicas. Uns poucos devem ter morrido antes de ver o filme se tornar um clássico reverenciado em todo o mundo.

Mas os sobreviventes, hoje, têm orgulho do que fizeram e são capazes de ver todos aqueles conflitos numa perspectiva nova, pois o filme não foi feito "apesar" das brigas: o filme foi feito "através" das brigas. Cinema exige contatos interpessoais diários, desgastantes, capazes de estragar amizades, casamentos e sociedades. Por tudo isso, se alguém chega pra mim e diz "eu amo o cinema", imediatamente penso que esse cara não sabe o que é cinema. Quando souber, provavelmente vai mudar de idéia.

Acabo de fazer um longa chamado "3 Efes", que, com seu orçamento diminuto e sua equipe mínima, foi uma beleza de filmar. Não lembro de um só momento de estresse, no set ou fora dele, durante o período em que estávamos rodando. Foi uma espécie de "anti-Blade Runner". Não tínhamos dinheiro nenhum, e a direção de arte tinha que pedir tudo emprestado. Nossa luz era um kit Arri. Três carros transportavam tudo, e a gasolina estava racionada. Nos divertimos. Ou pelo menos eu me diverti, garanto. Montar também foi legal, assim como fazer a trilha musical e o som. O problema foi lançar. Cláusulas de contratos para arrumar, dúvidas financeiras a cada cinco minutos, dinheiro que não chegava, montes de decisões difíceis em vários setores ao mesmo tempo. Um pequeno inferno. E aí lembrei o óbvio: não existe cinema sem dor. Esse ofício exige capacidade de resistência à dor. Se vocês não têm essa capacidade, meus drugs, é melhor fazer outra coisa na vida. No dia 7 de dezembro, contudo, vendo o filme nos cinemas, na internet, na TV e em DVD, aquela dor de parto desapareceu, sendo imediatamente seguida pela angústia de ler as críticas (quando elas existem…), conferir a bilheteria nas salas, conviver com os elogios e com as reticências. Normal. Isso é cinema.

E aí? Aí vem o segundo ensinamento de Nelson Nadotti: fazer cinema é fazer um filme depois do outro. "3 Efes" já é passado pra mim, pra equipe e pro elenco. Todo mundo que trabalhou no filme perdeu aquela visão romântica. Duvido que alguém diga que está "apaixonado pela sétima arte". Que porra de sétima arte é essa, meus drugs, que nos faz pedir, por favor, uma camisola emprestada para o dono da locação, que não só abre uma gaveta e empresta (vermelha, bem curtinha, perfeita para a cena) como diz que a esposa não vai se importar? Agora está todo mundo se perguntando: quando vamos fazer esse troço maluco de novo? Quando vamos nos reunir para resolver encrencas, sofrer um pouco (ou muito) e nos divertir sempre que possível? E eu digo: a garrafa do primeiro plano já está no balde com gelo. Se vai ser uma champanha, tão francesa quanto os irmãos Lumière, ou um espumante, tão gaúcho quanto Teixeirinha, só os deuses do cinema sabem. Mas a rolha vai voar. Ela voa com qualquer orçamento. é só sacudir um pouco.

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