Eu só podia chegar em Paris junto com Gainsbourg. O filme estréia com sessões lotadas, e a cidade venera o criador de "Je t’aime moi non plus" nos cartazes, nas revistas e nas músicas das lojas e dos táxis. Me emocionei total vendo a atuação do magnífico francês Eric Elmosnino, que fuma da primeira à última cena. A primeira vez que aparece a Laetitia Casta interpretando a Brigitte Bardot, tu enxerga a atriz francesa. A Jane Birkin também é representada fielmente. O diretor não utilizou a música "La Decadence", que eu tinha certeza que seria usada de alguma forma no final, mesmo que fosse óbvio. Ficou devendo para os fãs. "La Javanese" é usada brilhantemente. Além de ser uma das músicas mais românticas da minha pré-adolescência: uma vez eu subi para brincar na casa do Tarzan do Zôo de Sapucaia (hoje derrubada), e tinha um casal namorando no chão de madeira com um gravadorzinho portátil tocando "Je t´aime". Um dia vou ter que filmar essa cena.
Duas coisas que aprendi no filme: ele não compôs a música para a Birkin, e sim nos últimos dias de Brigitte; e o nome dele é Lucien , que nem eu, e não Serge. Primeiro judeu que conheço com nome de Lucien. A emoção de ver Gainsbourg só foi comparável à sessão de "Oceans" da dupla francesa de Jacques ( Perrin e Ceuzaud) . O outro ambientalista Jacques, o Cousteau, adoraria ter visto esta obra prima fruto de quatro anos de captação nos mares do mundo. A revista Premiere teve a capacidade de dar apenas três estrelas para "Oceans" e duas para "Gainsbourg". Críticos insensíveis.
Para não ficar comparando Paris a Porto Alegre, o que seria covardia (apesar de aqui no inverno não ter o ótimo sol gaúcho), vou falar só dos momentos mais emocionantes da estadia até agora. A lista já é grande. Um coral juvenil, acompanhado por cordas e cravo, cantando músicas eruditas alemãs na Igreja de Saint-Severin no Quartier Latin, de graça. Tive que me controlar, pois as lágrimas apareceram nos primeiros acordes. Uma dança barroca-pós moderna no Teatro de Chaillot, com os bailarinos dançando com vestidos de cauda amarela-dourada em cima de uma rasa fumaça branca, cercada por espelhos que tu não sabia nem pra onde devia olhar. A exposição de arte feminina no Pompidou; os fantásticos ambientes das réplicas e maquetes do Museu da Arquitetura; a Torre Eiffel piscando à noite; a rua Mouffetard a qualquer hora do dia; o Jardin des Plantes, com suas árvores seculares e com bichos rugindo, que ouço da janela do quarto das meninas. É tanta manifestação, tanta magia, que te dá a certeza, a todo instante, que o homem nasceu apenas para a arte. O resto é só desvio do caminho. Ainda uma peça de Schnitzeler, no pequeno Teatro de Poche, com os atores quase em cima da platéia, movendo-se entre recursos cênicos totalmente originais em um mínimo espaço. Apesar do rock não ser daqui, Londres é vizinha. Ontem assisti ao show da banda inglesa Arctic Monkeys em Rennes. Delírio total. Me soltei na 505. O baterista gordinho é apenas um fenômeno. Cinco mil e duzentos jovens lotaram um ginásio fantástico com som, telão e luz perfeitos. Velha pauleira inglesa inigualável.
Da gastronomia não sei nem o que falar. Apesar de ser minha décima viagem para esta cidade, nunca tinha me aprofundado tanto no assunto. Os caras nascerem para fazer comida. São imbatíveis. Nem Nova York se iguala, porque até num armazém tu compra comida muito bem elaborada. Só nesta minha rua, têm mais de dez nacionalidades diferentes de restaurantes, padarias artesanais, doces de todos os tipos. O que mais me desconcertou foi um creme de côco com calda de flor de laranjeira e pistache, no Instituto do Mundo Árabe, vizinho também. Vou voltar lá e provar todas as sobremesas das Arábias. Elas tem perfume. Ainda no caminho, tu passa por doces argelinos expostos às dezenas em uma casa de chá.
Tudo bem. Hoje foram só elogios, porque seria ignorância eu não dar uma babada para tanta beleza. Prometo, no próximo post, baixar minha crítica jornalística no que não funciona tão bem assim na cidade das luzes. Por enquanto, tudo pela arte!