Outro verbete: “Concerto”

A música nasceu como uma experiência mística e social, e o que hoje chamamos de concerto – a reunião de um determinado número de pessoas para ouvir uma combinação de sons executada por instrumentistas e/ou cantores – faz parte das bases da civilização, tanto no ocidente quanto no oriente. Em rituais para invocar deuses, saudar heróis e celebrar a fertilidade, em que música, dança e pantomima eram igualmente importantes, o homem primitivo afirmava seu lugar privilegiado na natureza e fazia o que os outros animais – às vezes muito mais fortes e poderosos – não sabiam fazer: coordenava esforços para obter um bem comum, a saber, a comunicação com o sobrenatural (o que não é humano, mas nasce do humano) e com o outro (o que não sou eu, mas que existe porque eu o percebo como um igual). Na pré-história, com certeza, não estava ainda determinada a separação entre os que executavam o concerto e os que o apreciavam, mas essa especialização surge logo que os primeiros instrumentos musicais são criados.

Os sumérios, trinta séculos A.C., tinham flautas de prata, harpas e liras. Os egípcios, dez séculos depois, possuíam conjuntos vocais e instrumentais – trombetas, harpas, címbalos e liras – a serviço dos faraós e das cerimônias religiosas. Os hebreus davam grande valor à música, que servia tanto para invocar a guerra quanto para louvar a Deus. Todas essas manifestações eram coletivas – portanto, eram concertos – e, embora restritas, em suas formas mais sofisticadas, aos círculos próximos ao poder, com certeza eram replicadas pelas classes populares.

Na Grécia Clássica, a música tinha um papel social importante, e seu ensino era preconizado por Platão. Quando os rituais dedicados ao deus Dionisos – celebrados no campo, com muita dança, música e sacrifícios de animais – foram levados para as cidades, dando origem à tragédia e à comédia, a música encontrou seu primeiro espaço oficial e fixo: o teatro. Antes disso, a música – executada com a cítara e a lira – já servia de apoio aos aedos, poetas-cantores que viajavam pela Grécia, de cidade em cidade, recitando principalmente as obras homéricas. Havia, portanto, concertos fixos e itinerantes. Considerando que só restam pequenos fragmentos das composições gregas deste período, e que elas quase nenhuma influência tiveram na linguagem musical do ocidente, podemos afirmar que o principal legado musical dos gregos foi a idéia do concerto, embora para eles a música cumprisse papel de apoio às manifestações literárias e dramatúrgicas.

Libertando-se, pouco a pouco, de seu caráter religioso, ainda predominante na Idade Média, o concerto musical ganha contornos mundanos a partir da Renascença. A música erudita européia cresce nos salões das cortes e, cada vez mais sofisticada, favorece a invenção de novos instrumentos e a organização de conjuntos cada vez mais numerosos, que acabarão se transformando nas orquestras sinfônicas. Ao mesmo tempo, a música popular também ganha seus espaços – nas praças, em feiras e até mesmo nos teatros – estabelecendo um contraponto, existente ainda hoje, com a música das elites. A ópera, extremamente popular no século 18, de certo modo era um concerto que unia as duas pontas do consumo musical.

O século 20, pródigo na criação de novas formas musicais – como o blues, o jazz e o rock – levará o concerto a um novo patamar: o dos negócios. A definitiva profissionalização dos músicos, dos empresários e dos locais para os espetáculos, além de sua inserção midiática, está ligada ao desenvolvimento da indústria cultural e, de modo geral, segue suas regras. Um concerto da Sinfônica de Berlim, um show da Madonna ou um baile funk carioca, mesmo que sejam esteticamente diferentes, têm em comum a lógica econômica, que busca o lucro através da venda de ingressos ou de patrocínios publicitários. Se, em suas origens, os concertos tinham bases religiosas, estas foram integralmente suprimidas, restando, contudo, seu caráter de celebração social, por oposição ao consumo individual de música previamente gravada.

Bibliografia:

CARPEAUX, Otto Maria. Uma história da música. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967.
STEHMAN, Jacques. História da Música Européia. São Paulo: Difel, s.d.

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