O que li (em 2004)

Ano complicado, em que dirigi “Sal de Prata”. Na verdade, o processo de realização foi tranqüilo, prazeroso até, mas todo longa, inevitavelmente, gera alguma tensão e uma boa dose de ansiedade. Também foi o ano em que o TECCINE (Curso Superior Tecnológico de Produção Audiovisual, da PUCRS) recebeu sua primeira turma. Em 2004, eu atuava como coordenador e professor, trabalho duro e com desafios quase diários. Meus colegas no curso e os alunos daquela turma sabem do que eu estou falando. Nesse ano difícil, minha lista de leituras é a seguinte:

Grana, grana, grana – Ed McBain
Intimidade – Hanif Kureishi
Amor, poesia, sabedoria – Edgar Morin
Água pesada e outros contos – Martin Amis
O poder do clímax – Luiz Carlos Maciel
Metrópole do medo – Ed McBain
Glamorama – Bret Easton Ellis
As aventuras sexuais de Luis Ensinada – Vinicius Vianna
Inalterado por mãos humanas – Robert Sheckley
Pastoral americana – Philip Roth
Tróia – Cláudio Moreno
Breve romance de sonho – Arthur Schnitzler
Trilogia tebana (Édipo Rei, Antígona, Édipo em Colona) – Sófocles
Mestres do teatro–I – John Gassner
E do meio do mundo prostituto… – Rubem Fonseca
Hamlet–Poema ilimitado – Harold Bloom/Shakespeare
Solo de clarineta–vol.1 – Érico Veríssimo
Mestres do teatro–II – John Gassner

Primeira constatação: li algumas peças e vários livros sobre teatro, incluindo a grande obra de Gassner, em dois volumes, que eu recomendo pela grande erudição e pelo texto delicioso, uma combinação rara. Eu estava me preparando para ser professor da disciplina de Dramaturgia do TECCINE, que seria dada pela primeira vez em março 2005, e tentava planejar boas aulas. Li vários outros títulos no começo de 2005, comprei alguns DVDs na Amazon, baixei o que foi possível na internet e bolei o programa que, com pequenas alterações, aplico até hoje. O melhor de tudo: aprendi que o mundo do teatro é tão fascinante quanto o do cinema. E muito mais antigo. O livro de Bloom sobre Hamlet é maravilhoso. Serve como uma bela introdução a Shakespeare e à sua peça mais importante (na opinião de Bloom, com quem muito modestamente concordo).

Mais dois McBain, o que manteve no palco o detetive Carela e seus colegas da 87.a Delegacia, e mais um Philip Roth, “Pastoral Americana”, que é um romance denso, complicado, sobre terrorismo, adolescência e as paranóias americanas. Essa repetição de alguns autores vai ser uma constante em toda a década. Quando leio alguma coisa que me agrada, me surpreende e me diverte (ou seja, cumpre seu objetivo) sempre vou atrás imediatamente de outras obras do mesmo autor. Às vezes não leio imediatamente, porque a fila é grande, mas me conforta ver aqueles livros não lidos – e provavelmente bons, já que foram criados por um sujeito talentoso – esperando por mim na estante. Se tudo der errado na minha vida, se nada mais sobrar para mim além de ler, tenho meu kit básico de sobrevivência ao alcance da mão.

Dois títulos estão entre as minhas leituras de 2004 por razões profissionais. Meu amigo Hélio Alvarez (com quem fiz meu primeiro filme, o super 8 “Meu primo”, nós dois seguindo os ensinamentos do terceiro diretor, Nelson Nadotti) me mandou “As aventuras sexuais de Luis Ensinada”, de Vinicius Vianna, dizendo que poderia ser um bom filme. Li e concordei com ele. A adaptação geraria uma comédia absurda, com bastante conteúdo sexual. Quem sabe um dia retomamos o projeto. Já o primeiro volume de “Solo de clarineta”, de Érico Veríssimo, foi uma releitura motivada pela possível realização de um especial de TV sobre o Érico em 2005, quando se completariam 100 anos no nascimento do autor de “O tempo e o vento”. Não sou leitor contumaz de biografias, mas tenho a impressão que, se todas fossem tão bem escritas quanto essa, meus hábitos mudariam rapidamente. Cheguei a escrever um pré-roteiro, mas o projeto não seguiu adiante, ou melhor, seguiu, mas com outros roteiristas e diretores. Acontece.

Os contos do inglês Martin Amis são surpreendentes. Com um estilo bem diferente de seu compatriota Nick Hornby (de quem eu lera “Como ser bom” em 2003), é mais uma prova da vitalidade da ficção inglesa contemporânea. Esse time também conta com Hanif Kureishi, Jonathan Coen e David Lodge, para citar apenas autores que já apareceram (Kureishi e Lodge) ou em breve aparecerão (Coen) em minhas listas. Aquela ilha deu ao mundo bem mais que Beatles e Rolling Stones.

“O poder do clímax”, de Luiz Carlos Maciel, gaúcho de Porto Alegre radicado no Rio de Janeiro faz tempo, é um bom manual de roteiro para cinema e TV, que recomendo para meus alunos desde que o li. Maciel, que já tinha uma espetacular folha de serviços para a cultura brasileira – entre outras coisas, é um dos fundadores de “O Pasquim” – faz uma rápida revisão de outros autores da área e apresenta sua própria teoria: um roteirista deve escrever de modo a alcançar o mais poderoso clímax possível para a história. Acho que nem sempre é assim, mas a teoria é defendida bravamente e, com certeza, pode ser útil em vários projetos cinematográficos. Além disso, Maciel escreve bem, com estilo, o que dificilmente se encontra em traduções brasileiras de manuais norte-americanos.

Tive tempo ainda de ler Rubem Fonseca. Salve, salve, grande mestre da literatura brasileira! Jamais esquecerei a leitura de “Feliz ano novo”, recomendada pelo meu professor de cursinho Carlos Appel em 1976. Duas semanas depois que comprei o livro, ele foi proibido e apreendido pela censura da ditadura militar. Eu me sentia um transgressor carregando aquela obra “perigosa” e “subversiva” (e, se não me engano, também acusada de “pornográfica”) em minha pasta no Anchieta e no IPV. E que contos fantásticos compõem aquele livro! “E do meio do mundo prostituto…”, lido quase 30 anos depois, é claro, não pode gerar o mesmo impacto que “Feliz ano novo”, “O caso Morel” e “Lúcia McCartney” provocaram nos anos 1970, mas a obra de Fonseca é um marco para mim, não só como leitor, mas também como ficcionista. Ele é, muito provavelmente, a maior influência que recebi quando estava começando a escrever. Um dia ainda aperto a mão dele, peço um autógrafo e agradeço por tudo que ele já escreveu na vida.

“Breve romance de sonho”, de Arthur Schnitzler, que Kubrick levou para o cinema em sua obra-prima “De olhos bem fechados”, é leitura obrigatória para quem quer entender o processo de adaptação. Em aula, gosto de mostrar as quatro ou cinco páginas em que Schnitzler narra o diálogo entre marido e esposa sobre suas infidelidades, e a cena correspondente no filme, em que Nicole Kidman e Tom Cruise, fumando maconha, fazem a mesma coisa. Freud dizia que Schnitzler estava fazendo na literatura o mesmo tipo de investigação que ele, Freud, fazia na ciência. Isso não é dizer pouco. Mas, mesmo com a benção do pai da psicanálise, eu nunca tinha lido Schnitzler até 2005, e, se não me falha a memória, até o ano de 2001 não havia nada traduzido de Schnitzler no Brasil. Kubrick, além de fazer um filme maravilhoso, ainda aproximou Schnitzler dos leitores brasileiros (e eu fui nessa, mesmo que tardiamente). A partir daí li tudo do autor austríaco que saiu no Brasil, boa parte traduzida do alemão pelo meu amigo Marcelo Backes. E, só pra concluir essa história, um conto de Schnitzler, “O diário de Redegonda”, acabou inspirando um roteiro que escrevi (com a colaboração do próprio Backes e do psicanalista e escritor Celso Gutfreind), chamado “Menos que nada”, que recebeu, em janeiro, prêmio no edital da Petrobrás e será filmado no final deste ano. Resumindo: gostaria de agradecer, apertar a mão e pedir autógrafo para Schnitzler e Kubrick, mas esses vão ser mais difíceis.

Bom, não dá pra falar de todos os livros, mas isso não significa que eles tenham sido menos importantes. Provavelmente são os que provocam menos relações imediatas com o meu presente (2010). Mas não posso parar antes de pelo menos mencionar o livro de contos “Inalterado por mãos humanas”, ficção-científica de Robert Sheckley. Sheckley é da mesma turma de Harry Harrison (“Bill, herói galático” e “A oeste do Éden”) e Douglas Adams (“Guia do mochileiro das galáxias”). Eles escrevem ficção-científica, normalmente tão sisuda, com uma saudável dose de bom humor. O conto “Inalterado por mãos humanas” é uma pequena jóia da FC, e o tipo de história que coloca seu autor na imortalidade.

Chega! E até 2005.

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