O que eu li (em 2003)

Sem qualquer objetivo definido – pelo menos conscientemente – no início de 2003 comecei a anotar os livros que leio, e a listagem prossegue até hoje. Coloco só o título e o nome do autor, sem qualquer comentário adicional. Bem mais tarde, até pensei em algo mais concreto: escrever um inventário de dez anos de literatura do meu ponto de vista como leitor, com algumas estatísticas que talvez sejam interessantes (desconfio que somente para mim).
 
Uma questão parece mesmo palpitante: quantos romances policiais de Ed McBain terei lido em dez anos? Por enquanto são apenas 15, mas continuo atrás das aventuras da 87.a  Delegacia de Isola pelos sebos da vida. São 57 romances de McBain publicados em inglês. Como sou um leitor que acredita no talento dos tradutores, sigo procurando versões brasileiras ou portuguesas (depois de ler algumas dezenas de histórias de ficção-científica da Coleção Argonauta, ficou bem mais fácil “pegar uma boleia” e “comer uma sanduíche”).
 
Não estou contando, entre os 15 McBain, os dois livros que li de Evan Hunter, que também é McBain. Na verdade, são dois pseudônimos do mesmo cara, que se chamava – na certidão de nascimento – Salvatore Albert Lombino, era nova-iorquino, morreu em 2005 e ficou famoso (sob o pseudônimo Evan Hunter) por ser o roteirista de “Os pássaros”, de Hitchcock, que por sua vez é a adaptação de um romance de Daphne Du Maurier, de quem nunca li nada, mas ainda dá tempo até 2012. 
 
A partir de 2009, fiz mais uma coluna na tabela, para o número de páginas de cada livro, o que com certeza proporcionará gráficos de barra fantásticos no meu inventário de dez anos como leitor. Mas, só de pensar no trabalho que daria para descobrir o número de páginas dos livros lidos entre 2003 e 2008, mesmo com as barbadas proporcionadas pela internet,  fico um pouco desanimado. Talvez em 2012, na hora de fechar a lista, eu tenha mais força de vontade para a tarefa. Ou quem sabe o Giba, que era plantão esportivo da Rádio Gaúcha e mantém sua paixão secreta por estatística (vide sua tentativa de criticar a posição privilegiada – e justíssima – do Grêmio em certas listagens futebolísticas), faz o serviço pra mim.
 
Tudo isso é apenas uma introdução para a espetacular série em meu blog, intitulada “O que li”, que estou iniciando neste exato momento e terá, se tudo der certo, dez sensacionais edições, cada uma dedicada a um ano de minhas leituras. Pra falar a verdade, vou só copiar e colar a tabela do ano em questão e escrever alguns comentários breves e absolutamente subjetivos. Pensei em eleger “O Melhor do Ano”, mas desisti a tempo. É o tipo da bobagem que as pessoas fazem em seus blogs na esperança de criar polêmica e conquistar leitores. Listar e comentar é suficiente, e a idéia só me pareceu interessante porque as listas já estão velhas, o que fará a minha memória funcionar (ou me enganar). De qualquer maneira, tenho certeza que a série será útil para mim, pois assim darei os primeiros passos para o grande ensaio sobre meus dez anos de leituras e ainda terei dez temas garantidos para posts neste blog (com as listas de livros convenientemente prontas). Então, depois de todo esse suspense, e sempre respeitando a ordem cronológica de leituras dentro do ano, vamos para 2003!
 
Como ser bom – Nick Hornby
O próximo amor – Yves Simon
A marca humana – Philip Roth
Animal tropical – Pedro Juan Gutierrez
A mulher do próximo – Gay Talese
Babbit – Sinclair Lewis
Complexo de Portnoy – Philip Roth
Cidade do prazer – Evan Hunter/Ed McBain
Lição de anatomia – Philip Roth
Adultério – Evan Hunter
A última dança – Ed McBain
O rei de Havana – Pedro Juan Gutierrez
Fora do abrigo – David Lodge
Ela nem me disse adeus – Juremir Machado da Silva
 
Vou começar pelo mais óbvio: dos 14 livros, 13 são de ficção. Mesmo a exceção, uma grande e maravilhosa reportagem de Gay Talese sobre o sexo nos Estados Unidos, pode ser lida como ficção. Em abril de 2003 eu defendi minha tese de doutorado e desconfio que andava de saco cheio de ler livros acadêmicos (do tipo não-ficção que NÃO pode ser lida como ficção). Talvez isso explique meu grande apetite por romances naquele ano, que continuaria nos anos seguintes. Contudo, pra ser mais honesto, eu tenho que confessar que sempre achei a ficção superior à não-ficção, e, a menos que um assunto me fascine em determinado momento, estou sempre lendo contos ou romances, e não teoria, ensaios, memórias ou textos científicos.
  
Em 2003 redescobri o prazer de ler histórias policiais. Não lembro se já tinha lido alguma obra de McBain antes de “Cidade do prazer”, provavelmente não, mas este foi, com certeza, o texto que me fez perceber os novos prazeres que o gênero pode proporcionar. Fui um leitor ávido de Agatha Christie quando adolescente, e Hercule Poirot é um grande personagem, mas todas aquelas “ladys” e nobres britânicos, vistos em perspectiva, pareciam infantis e excessivamente moralistas. Os dois autores de “Cidade do prazer” (Hunter como o alter-ego de Lombino para literatura “séria” e McBain como sua encarnação para literatura policial) construíram uma narrativa que vai muito além do “quem matou”. É um exercício de estilo admirável, mas sem qualquer pomposidade. Lombino/Hunter/McBain escrevia muito, quase sem parar (desisti de contar o número de obras, pois ele tem mais alguns pseudônimos), e não tinha tempo a perder com filigranas literárias. “Adultério”(Hunter) é um bom romance psicológico; “A última dança”, por sua vez, tem o humor negro de McBain em primeirísso plano.
 
O ano se completou com obras de Hornby, Yves Simon, Roth, Pedro Juan Gutierrez, Sinclair Lewis, David Lodge e Juremir Machado da Silva. Um escritor de língua espanhola (Gutierrez), um francês (Simon), apenas um brasileiro (Juremir), e todos os outros de língua inglesa (como o muito americano Roth e o absolutamente britânico Lodge). Não posso falar de todos eles. A maioria vai reaparecer nos anos seguintes, e esse texto já está grande demais. Assim, digo só mais uma coisa, que não dá pra omitir. “A marca humana”, obra-prima de Philip Roth, alguns anos depois virou um longa-metragem horroroso, estrelado por Anthony Hopkins e Nicole Kidman. Se alguém viu o filme e não leu o livro, por favor, apague aquelas imagens e sons e vá para as linhas de Roth. Nem sempre a literatura é superior ao cinema, mas, neste caso, a adaptação realmente foi um retumbante fracasso. E até 2004.
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