A experiência de ir ao cinema no Brasil, hoje, significa quase sempre entrar num shopping lotado, aguentar o cheiro enjoativo da manteiga sobre as pipocas e curtir o filme numa sala com boas condições técnicas (o que é ótimo e, para mim, compensa os dois desprazeres anteriores). Claro que existem as salas de arte, que não estão em shoppings, têm menos (ou nenhum) cheiro de manteiga e também podem ter excelentes condições técnicas. Elas são ótimas para rever títulos antigos e programação alternativa (não me perguntem o que isso significa; é complicado), para assistir a ciclos, debates, festivais. Mas elas dificilmente exibem filmes em estréia. Pra ver filme que está entrando em cartaz, no Brasil, o shopping e a manteiga são quase inevitáveis.
Na Suíça, onde estive por alguns dias no final do ano, tive uma experiência surpreendente. Genebra ainda tem vários cinemas de rua, com três ou quatro salas, e dois shoppings grandes, com mais de dez salas cada um. Fui assistir a “Avatar”, em 3D, no cinema Pathé do Shopping Balexert. Um complexo de 13 salas, fantástico, lotado de adolescentes e de sacos de pipoca com manteiga. Comprei a entrada pela internet e imprimi o bilhete em casa. A sessão foi perfeita: tela imensa, som alto, imagem brilhante. E, aliás, o filme é bem interessante.
A surpresa, contudo, estava reservada para o dia seguinte. Fui assistir “Tudo pode dar certo”, o novo filme de Woddy Allen, num cinema de bairro chamado Cine-Lux. Não havia possibilidade de comprar bilhetes na internet. Assim, cheguei vinte minutos antes. A porta do cinema estava encostada, e um aviso afixado sobre a bilheteria alertava que as entradas seriam vendidas cinco minutos antes da sessão começar. Problema: a temperatura era de cinco graus celsius negativos. Empurrei a porta, pensando que eu poderia ficar na sala de espera. A porta abriu, mas não havia sala de espera. Havia apenas uma pequena escada, à esquerda, que levava à sala de projeção, e uma porta, à direita, que levava à sala. Um homem de uns 30 anos, sentado atrás de um projetor 35mm em funcionamento me olhou e disse: “Você tem que esperar. A sessão termina daqui a dez minutos”.
Voltei para a rua e para os 5 abaixo de zero. Já havia uma fila de umas quinze pessoas. Dez minutos depois, os espectadores saíram da sala, a bilheteria abriu e o projecionista começou a vender os ingressos. Perceberam? O cara toca a sala de cinema absolutamente sozinho. E, pelo jeito dele, também deve fazer a programação. E a faxina. E a divulgação. Não é exatamente o que nós chamamos de “cinema de arte”, porque ele exibe lançamentos e a sala aparece nos jornais e na internet ao lado das salas dos shoppings. É um tipo diferente de sala. E, aliás, a sessão estava tecnicamente muito boa, e o filme é muito bom. Não sei se ele está satisfeito em acumular tantas funções, mas, com certeza, esse é o fator que permite a sobrevivência daquela pequena sala.
Longa vida ao cinema de um homem só.