Direitos autorais (1)

Aproveitando que a discussão sobre direitos autorais está quente, e tentando colaborar para que a nova lei que regula a área seja aprovada (é uma lei bastante tímida, mas melhor que a monstruosidade jurídica que hoje nos governa), inicio hoje a publicação, em seis partes, de um ensaio sobre direitos autorais.

Esse ensaio saiu no livro “Além das redes de colaboração: internet, diversidade cultural e tecnologias do poder”, publicado pela EDUFBA em 2008. Peço perdão pelo tom meio acadêmico, mas creio que as idéias principais são bastante simples e todo mundo vai entender. Vamos lá:

 

Direitos autorais (1)

O debate jurídico começou em 1976, quando foi inventado o VHS (“Video home system”), primeiro suporte de cópias “ilegais” de filmes em grande escala, e se transferiu para o campo teórico quando a internet ainda dava seus primeiros passos, na década de 1990. A polêmica se popularizou quando a rede atingiu seu estado de circulação global, no final do século passado. E a briga de foice está apenas começando, neste momento (2007) em que as novas e generosas larguras de banda permitem baixar todo tipo de produto audiovisual num tempo inferior a um passeio de carro até a locadora mais próxima.

A realidade se impõe: a distribuição de filmes, vídeos, produtos de TV e demais obras baseadas em imagens em movimento com som sincronizado não é mais a mesma. Na era das redes, os modelos de exploração econômica destes produtos já mudaram. A circulação das obras dá-se, inevitavelmente, em dois planos: o oficial, que ainda funciona da maneira antiga, em que o espectador paga para assistir a um determinado espetáculo; e o alternativo, também conhecido como “pirataria”, em que o espectador atua à margem do sistema e obtém o que quer baixando conteúdos disponíveis na rede, ou comprando uma cópia clandestina num vendedor ambulante, mesmo que estes atos sejam, teoricamente, ilegais.

O governo brasileiro já reconhece a impossibilidade de deter completamente a exploração informal das obras audiovisuais. “Lutar contra a pirataria é um trabalho sem fim, ninguém no governo tem a ilusão de que um dia vai acabar. É como enxugar gelo, mas a gente tem que continuar lutando”, disse Ana Lúcia de Moraes Gomes, secretária executiva do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, órgão ligado ao Ministério da Justiça, durante debate sobre pirataria no Festival de Cinema de Gramado de 2007. (Informativo Fundacine – (1), 2007)

Nossa intenção é refletir sobre esse momento, partindo da análise de falácias que costumam permear o debate sobre pirataria e direitos autorais. Também pretendemos comparar alguns modelos que estão sendo apresentados para esse novo cenário tecnológico e cultural, tentando detectar, nos diversos discursos e proposições, os jogos de poder que se escondem sob os argumentos supostamente “legais”. Não acreditamos que as soluções para o dilema da circulação de obras audiovisuais na rede sejam técnicas e surjam graças a um novo “software” ou mecanismo de encriptação, a não ser que se atinja – a partir da discussão dessas ferramentas – aquilo que Heidegger chamava de “essência da técnica”, que não é de natureza técnica.

Também não cremos que o campo legal – novas legislações, novas regulamentações -, em que os advogados circulam com tanta desenvoltura, possa dar conta da questão sem que, antes, pensemos nas relações de poder entre o autor, o produtor, o distribuidor, o exibidor e o público, além das mediações tecnológicas (antigas e novas, mas principalmente as novas) que os aproximam e tornam possível a circulação das obras. O embate jurídico do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) contra as salas de exibição cinematográficas, uma questão ainda concernente ao modelo antigo de distribuição audiovisual, é um excelente “trailer” do que nos aguarda nos próximos anos. Os jogadores tomam suas posições e começam a mostrar suas cartas.

A primeira falácia (ou blefe) é simples: a preocupação quanto ao direitos autorais é imputada, antes de mais nada, aos próprios autores. Seriam estes os grandes prejudicados com a pirataria, à medida que, numa distribuição ilegal, não recebem os “royalties” da venda de suas obras. Essa afirmação é muito utilizada na argumentação de quem combate a pirataria, pois é muito mais conveniente, do ponto de vista retórico, vitimizar um sujeito, uma pessoa física (o autor da obra), do que uma corporação (que reproduz e distribui a obra).

Na verdade, o cidadão comum não sabe a diferença entre o direito autoral e o direito patrimonial (ou comercial) de um filme. Mas essa diferença é fundamental: enquanto o primeiro se refere a um sujeito que vive (no Brasil, com imensas dificuldades) de sua capacidade criativa, o segundo se refere a empresas, ou conglomerados de empresas, quase sempre de grandes proporções, que lucram – direta ou indiretamente – com a exploração das obras audiovisuais criadas pelos autores. Ao confundir estas duas esferas no âmbito da expressão “direito autoral”, escondem-se os interesses econômicos de maior monta sob a figura do “pobre autor que está sendo roubado”. Essa operação funciona há séculos no mundo dos livros, passando depois para a música, para a fotografia, para o cinema e para o audiovisual.
(segue em breve)

 

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