“Tropa de elite” segue fazendo história e polêmica. Ou histórias e polêmicas. A primeira foi a distribuição alternativa, através de camelôs, que levou o filme, em pré-estréia, às classes D e E. Isso ajudou ou atrapalhou a carreira tradicional do filme? A segunda foi a recepção do filme, no Brasil, por boa parte da crítica e da classe cinematográfica. A acusação mais comum: o filme é fascista, pois transforma policiais torturadores e assassinos em heróis. Quem assina embaixo? Conheço muita gente que assinou. A terceira, e sem dúvida a mais espetacular, é a premiação máxima no Festival de Berlim, um dos mais importantes do planeta, depois de sofrer as mesmas acusações políticas de vários jornais e revistas, entre eles o Le Monde e a Variety. Quem está certo: o júri ou os críticos?
As informações que chegam é de que o filme agradou, em maior ou menor grau, a todos os componentes do júri. A fonte dessas informações é o próprio presidente do júri, o cineasta Costa-Gavras. Não tenho porque duvidar da sua palavra. Portanto, acho que, no interior do júri, não houve grandes polêmicas. E, se alguém achou o filme fascista, não teve coragem de enfrentar o próprio Costa-Gavras, que é um diretor famoso por fazer filmes contra regimes fascistas. Ele é autor de clássicos como “Z”, “Estado de sítio” e “Missing” (além do recente e estranho “O corte”). Será que alguém terá coragem de chamar Costa-Gavras de fascista, por premiar “Tropa de elite”? Duvido.
A recepção de um filme (ou de qualquer obra de arte) continua sendo um negócio muito difícil de prever (antes do lançamento), e às vezes continua sendo um mistério depois de anos. Nos extras do DVD de “Butch Cassidy”, fiquei sabendo que, após uma semana de péssimas bilheterias e de críticas piores ainda, com os produtores começando a aceitar que teriam um grande prejuízo, surgiu (ninguém sabe de onde) uma nova interpretação para o tema central do filme (dois bandidos jovens e bonitos – Paul Newman e Robert Redford – fugindo sem parar da polícia): tratava-se de uma metáfora à fuga, mais que justificada, dos jovens americanos convocados para lutar e morrer no Vietnã. As bilheterias aumentaram, surgiram novas críticas, e hoje o filme é um clássico.
Eu continuo batendo na mesma tecla: algumas escolhas estéticas do filme, que estão além do roteiro, da história propriamente dita, parecem contribuir para uma recepção quase festiva aos policiais do BOPE por boa parte do público. Segundo Baía, vocalista e percussionista do grupo de rock Tihuana, responsável pela canção “Tropa de elite”, as coisas aconteceram assim: “…quando o Padilha nos ligou para usar a música, disse que foi a pedido dos caras do BOPE, porque eles cantavam nos treinamentos” (jornal Zero Hora, 18 de fevereiro de 2008, p.7 do Segundo Caderno). Poderia ser uma música incidental, neutra, de suspense; poderia ser uma música tão claramente à direita quanto a Cavalgada das Valquírias no ataque dos helicópteros em “Apocalypse Now”, que nos remete à insanidade fascista do coronel representado por Roberto Duvall; contudo, Padilha escolheu exatamente a música preferida pelo esquadrão da morte (de todos os seus componentes, e não de um superior maluco) a caminho de seu ofício macabro. Para Costa-Gavras, o filme está muito além do apelo inicial dessa música. Para mim, é um elemento de reflexão no todo do filme, que tem evidentes méritos cinematográficos. Minha tese é que, para boa parte do público, a música introduz os policiais do BOPE como heróis, e depois é difícil para o espectador comum mudar de opinião.
A maior surpresa é a informação – difícil de acreditar – trazida pela mesma Zero Hora: “A letra de 'Tropa de Elite', na verdade, fala sobre a própria chegada do grupo Tihuana ao mercado. Não há nenhuma referência ao combate ao crime.” Será que os versos a seguir são sobre uma banda anunciando sua “chegada ao mercado”?
Tem dia que a criança chora
Mas a mãe não escuta
E você nada prá fora
Mas a vala te puxa
Hoje pode ser meu dia
Pode até ser o seu
A diferença
É que eu vou embora
Mas eu levo o que é meu…
Tropa de Elite
Osso duro de roer
Pega um pega geral
Também vai pegar você…(4x)
Será que a “Tropa de elite” do Tihuana não é o BOPE, e sim a própria Tihuana? Padilha transformou totalmente o sentido da música? Mais uma polêmica? Nessa tô fora. Como diz Umberto Eco, ao estabelecer certos limites para a liberdade de interpretação do receptor, se o autor escreveu “maçã”, trata-se da fruta “maçã” (vermelha, aquela de Adão e Eva), e não de uma pêra (quase sempre verde), mesmo que o leitor do romance deteste maçãs e goste muito de pêras.
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