Cannes, o eterno retorno

Esta é a terceira vez que participo do Festival de Cannes. Quando vou embora, sempre digo: não volto mais. Mas, assim como com a Índia, eu sempre acabo voltando.

 

Este ano, quando cheguei, achei o poster oficial sem graça, com a Juliette Binochet no meio. Eu sempre me interesso pelos cartazes para botar no escritório ou nos cinemas, e já fiquei de cara. Como os organizadores deixaram uma atriz francesa, que está concorrendo com um filme, ser o cartaz do festival? A primeira coisa que eu disse foi: é ruim, mas, se ela ganhar o prêmio de melhor atriz, é péssimo. Não deu outra.

Quando passou o muito comentado filme tailandês (a que não consegui assistir porque já tinha ido embora), falei: é certo que vai dar Tailândia, porque o filme deve ser bom e ainda representa um país em situação política conflituada, o que Cannes adora. Acertei mais uma vez. Um pouquinho da política interna dos festivais, tu acaba aprendendo.
 
Tem diversas formas de participar do festival. Se tu é uma “personalidade”, segundo critérios dos mais variados, ao gosto do Festival, tu tem direito a chegar numa fila especial e pegar ingressos. Se tu é jornalista, tu é rei, mas trabalha muito. São os que entram em tudo, falam com todas as equipes e atores nas coletivas. Quanto mais famoso o orgão que representam, melhor o lugar. Se tu é concorrente, tem direito a ver o que tu quer, mas tem toda a absurda tensão de um festival internacional.
 
Depois tem o meu caso, o Mercado, que é uma das coisas que Cannes tem de fantástico: centenas de filmes, em dezenas de salas, que tu pode passar o dia assistindo. Se tu não gostar, troca de sala e vai pra outro. Tu compra por mil reais um passe que dá direito a ficar dentro do Palais nos estandes do Mercado, a ir em qualquer sessão do Certain Regard, Quinzena, Soixantiemme e Crítica. Tu tem 130 pontos por dia para gastar no computador tirando ingressos. A lista vai se mexendo durante o dia. Parece a Bolsa. Para o Lumière, que é o grande cinema do mais famoso tapete vermelho do mundo, tem que tirar um convite que vale 100 pontos, que nem sempre tu consegue. Um mesmo filme passa duas ou três vezes no Lumiere. Quanto mais badalada a sessão, mais pontos saem do teu saldo. Se tu que ir nas sessões pela manhã, ou após as 22 horas, saem bem pouquinhos pontos.
 
Tive também três reuniões de trabalho e fui como produtora convidada para avaliar as co-produções dos projetos do Cinefondation. Dos cinco projetos que selecionei, três eu produziria hoje mesmo, se tivesse recursos. Filmes ótimos, de diretores multi-premiados, alguns indicados ao Oscar. Todos na fila de espera do baixo orçamento, esperando para fazer seus filmes. Isso é cruel, quando tu vê nas telas umas porcarias que estão sendo feitas com muitos recursos. Com um filme fraco de alto orçamento, dá para fazer dez bons de baixo orçamento. Mas, como diz o Lagerfeld: “Se tu quer justiça social, não entra na moda. Aqui é cruel, perigoso, efêmero e maravilhoso”. Isto se aplica total ao cinema. O que Cannes tem de ruim: gente feia, mal-educada e vagabundas de todos os tipos. Todos querendo aparecer e ter seu lugar ao spotlight . Comércio e comida caras, transporte insuficiente, congestionamento todo o tempo.
 
Além de ver ao vivo meu queridinho cult Woody Allen, descendo a escada com sua mulher oriental, vi também alguns filmes legais. O francês “Turnê”, que ganhou o prêmio de direção, mostra de uma forma muito engraçada o universo das streapers e das vedetes. Mike Leigh, com seus personagens ingleses totalmente humanos, tudo devagar, mas dirigidos de uma forma brilhante. Dei umas dormidinhas no meio. O que eu gostei mesmo foi um documentário simples, no Mercado, chamado “In the beggining it was light”, sobre pessoas que não comem e não bebem nada. Eu conhecia um caso na Índia, de um velhinho que agora está aparecendo na mídia, e outro na Venezuela. O filme mostra que têm muitos casos aparecendo de gente que vive da luz do sol (ou prana ou qi) . Os médicos e cientistas internam as pessoas para exames, filmam as pessoas o tempo todo, e elas simplesmente não comem, não emagrecem e não morrem. É muito louco. Aqui em Paris todos continuam comendo muito. Acho que esta onda, chamada Bretharianism, aqui não pega.
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