As imagens, as palavras e as coisas

Resolvi entrar nesse debate sobre as palavras e as imagens aqui no blog porque o assunto me interessa, tanto do ponto de vista teórico, quanto no seu lado prático. Vilhém Flusser, em "Filosofia da caixa preta" diz o mais importante: o maior problema das imagens técnicas (aquelas geradas pelas câmeras de fotografia, cinema ou vídeo, em oposição às geradas pela movimentação da mão humana – desenhos e pintura, por exemplo) é que elas, aparentemente, não precisam ser lidas e interpretadas. Elas parecem ser a realidade, em vez de representá-la. 

Todos percebem que uma frase, ou um post de um blog, precisa ser lido. Mas nem todos percebem que um vídeo de um deputado, ou de um governador, colocando dinheiro vivo no bolso também tem que ser lido. Lula estava certo: as imagens (especialmente técnicas) não falam por si. Aliás, eu já tinha dito exatamente a mesma coisa no post sobre o uso de imagens gravadas pela TV para encaminhar acusações a jogadores de futebol. Por outro lado, o Jorge também está certo: as palavras podem falar por si, mas não estabelecem a verdade sobre a honra de ninguém.
 
Por um terceiro lado, isso não significa que, após o trabalho de interpretação, um sujeito não tenha o direito de formar uma opinião sobre o que vê e o que ouve. Pois bem, eu fui olhar a seqüência de vídeos que mostram o sr. Durval Barbosa entregando dinheiro vivo para várias pessoas e falando sobre três supostos deputados do PMDB que também teriam recebido propina. E aqui vai a minha modesta interpretação:
 
(1) não tenho NENHUMA DÚVIDA que havia um esquema de propina instalado no governo do Distrito Federal, envolvendo muita gente e muito dinheiro. A imprensa tinha a OBRIGAÇÃO de publicar a existência do esquema, mesmo sem ouvir os acusados. As imagens, na minha interpretação, são inequívocas para demonstrar o esquema;
 
(2) não tenho QUASE NENHUMA DÚVIDA que o governador Arruda (e todos que aparecem recebendo dinheiro) estavam envolvidos nesse esquema. Estou esperando boas explicações – palavras tão fortes quanto as imagens, de preferência – para o que vi nos vídeos. A imprensa DEVERIA PROCURAR os acusados, dar espaço para as suas defesas, e DEVERIA PUBLICAR as acusações e as defesas, de preferência tudo ao mesmo tempo (ou na mesma edição do jornal). As imagens são insuficientes para dar uma prova cabal do envolvimento INDIVIDUAL de cada um dos que receberam dinheiro; 
 
(3) tenho MUITAS DÚVIDAS sobre o envolvimento dos deputados do PMDB. Por enquanto, não espero que eles falem nada. Nem precisam se defender. E concordo que é mau jornalismo imprimir ou divulgar os nomes dos deputados antes de checar as informações. As imagens não dizem nada a respeito deles. O áudio diz, mas o que sai da boca daquele sujeito não tem grande valor, ao contrário do que a sua câmera escondida gravou. Os teóricos têm um bom conceito para isso – o caráter "indicial" das imagens técnicas – mas este não é o ponto mais importante da nossa discussão.
 
O mais importante é que sabemos exatamente por que as câmeras de Durval Barbosa estavam escondidas: para flagrar o dinheiro sendo entregue. Assim, a origem das imagens e dos sons não tem a fragilidade de origem que as imagens de uma transmissão de futebol têm: nesta, não sabemos quais são as possíveis motivações dos operadores de câmera, nem dos suítes (os que decidem o que vai ou não para o ar). Sabemos o que Durval pretendia. E isso funciona a seu favor, e não contra (como às vezes querem os acusados).        
 
Assim como todas as palavras são retóricas, e pretendem algum efeito sobre o leitor, todas as imagens são igualmente retóricas, e pretendem algum efeito sobre o espectador. Para bem interpretar – palavras ou imagens – temos que desvendar as motivações por trás dessa produção textual ou imagética. Ou alguém acredita que a mulher pelada na capa da Playboy está sorrindo para o comprador da revista? Ela está sorrindo para a sua conta bancária. Não há palavras – OU IMAGENS! – "neutras", "objetivas", "isentas". Há um mundo a interpretar.
 
É aí que o trabalho do jornalista se complica, se torna um desafio diário e, às vezes – por incompência pura e simples, ou pelo alto grau de falibilidade da espécie humana – o leva a cometer grandes injustiças. É pra isso que existem os cursos de jornalismo, e é pra isso que existiam os diplomas de jornalismo: pra tentar evitar grandes injustiças. Pra construir uma ética em terreno minado. Escrever um texto, bater uma foto, ou fazer uma reportagem em vídeo é fácil. Tarefa de amadores. Interpretar o mundo para milhões de pessoas é tarefa para profissionais.
 

XXXXX

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