Adolescer antes que o mundo acabe

Não é fácil fazer um filme sobre a adolescência, apesar dos manuais de roteiro dizerem que ritos de passagem estão entre as melhores situações dramáticas que existem.

É bem mais fácil fazer um filme para adolescentes, e Hollywood tem demonstrado grande competência nesse campo, pelo menos se considerarmos os sucessos das séries Harry Potter e Crepúsculo, sem discutir seus distintos méritos artísticos. Acho que a maior dificuldade para falar sobre a adolescência é achar o equilíbrio narrativo entre a infância e a idade adulta. “Loucuras de verão”, de George Lucas, por exemplo, é um filme maravilhoso sobre o fim da adolescência e o começo da vida adulta. Não fala da infância. De certo modo, “Deu pra ti, anos 70”, de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, bate na mesma tecla. Há jovens virando adultos, o que é muito dramático e cinematográfico, mas é um conflito tardio, e não a situação fundadora da adolescência: a descoberta consciente do sexo e da morte.

“Conta comigo”, de Rob Reiner, é a obra-prima que indiscutivelmente fala sobre a adolescência como rito de passagem, mas é triste constatar que precisamos voltar a 1986 para descobrir um filme assim. Se é difícil achar bons filmes sobre a adolescência no mundo, é natural que a situação no Brasil, também seja complicada. Lembro de “A menina do lado”, belo filme de Alberto Salvá, que discute exatamente o limite sexual entre a infância e a idade adulta, que está sendo transposto (ou não) pela “menina” do título. Salvá narra a história do ponto de vista do personagem adulto, o que é uma escolha lógica, mas assim talvez tenha se perdido um pouco daquela bela sensação que Reiner obtém em “Conta comigo” ao dar voz aos próprios adolescentes. Gosto de “Houve uma vez um verão”, de Robert Mulligan, exatamente porque o ponto de vista é de um adolescente angustiado com seus desejos e seus medos.

“Antes que o mundo acabe”, de Ana Luiza Azevedo, estréia nesta sexta-feira no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. É um trabalho original e feminino. Não tenho o menor medo de dizer que é feminino, como se isso pudesse apequenar uma obra de arte. Ser feminino é uma virtude. No universo excessivamente masculino do cinema, ver um filme sobre adolescentes dirigido por uma mulher adulta (a Ana) e narrado por uma mulher criança (a personagem Maria Clara, vivida por Caroline Guedes), é mais do que saudável. Homens e mulheres são diferentes, assim como crianças e adultos são diferentes. Permitir que as diferenças etárias e de gênero se expressem, além de conviver e aprender com elas são desafios constantes e aparentemente eternos. E o que a Ana tentou fazer – flagrar aqueles instantes fugidios em que a infância está terminando e a vida adulta está começando, mas nenhuma das duas situações consegue se sobrepor à outra – é tarefa das mais complicadas. Tarefa pra mulher.

Se você é adolescente vá ver “Antes que mundo acabe” porque, além da diversão oferecida por uma boa história, provavelmente algumas das suas angústias estarão nas telas. Se você é adulto, vá ver “Antes que o mundo acabe” para recuperar um pouco daquele tempo que acabou, mas deixou marcas tão profundas que sempre voltam em lembranças e sonhos. Se você é uma criança e curtiu “Crepúsculo”, bom, então você não é mais exatamente uma criança, talvez esteja começando a ser outra coisa, e tem tudo para curtir uma história sem vampiros, sem mágica, sem dragões, sem piratas, sem super-heróis e sem batidas de carro. Mas que têm essas criaturas estranhas, misteriosas e imprevisíveis chamadas adolescentes.

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