A extraordinária intimidade de Kerry Fox

Até que ponto um ator ou uma atriz podem expor sua intimidade para fazer um filme? A pergunta é fácil de responder se o filme for pornográfico, porque o desvelamento da intimidade sexual dos protagonistas é a própria razão de ser da obra.
 
Mas difícil de responder no mundo dos filmes tradicionais, em que o sexo é assunto importante, às vezes central, mas a sua representação pode acontecer de formas muito diferentes, indo da leve sugestão dos filmes de Billy Wilder ao que Sharon Stone chamou de “o limite máximo de intimidade”, que ela diz ter atingido com Michael Douglas em “Instinto Selvagem” (Paul Verhoeven, 1992). Vale lembrar que esse limite máximo, para Stone, não inclui sexo real entre os atores.
 
Na obra-prima “Império dos sentidos” (de Nagisa Oshima, 1976), contudo, há cenas de sexo explícito. O filme causou escândalo e foi proibido no Brasil e em outros países por algum tempo. Hoje está nas prateleiras das locadoras de DVD, à disposição de todos, inclusive das crianças, mas duvido que elas estejam interessadas. Nos últimos anos, foram lançados vários filmes não-pornográficos com cenas de sexo explícito. Apenas para citar alguns: “Romance” (de Catherine Breillat, 1999), “Baise-moi” (de Virginie Despentes, 2000), “O pornógrafo” (de Bertrand Bonello, 2002), “The brown bunny” (de Vincent Gallo, 2003) e “Nove canções” (de Michael Winterbotton, 2004). Todos eles, com exceção de “Baise-moi”, também estão disponíveis nas locadoras de vídeo brasileiras, sem qualquer restrição especial.
 
Não vou discutir os méritos artísticos de cada um. O que interessa aqui é que seus atores e atrizes se envolveram em atividade sexual real na frente das câmeras. Alguns deles foram simplesmente deslocados do seu campo profissional – a pornografia – para o cinema tradicional. É o caso de Rocco Sifreddi em “Romance” e de Karen Laucame e Rafaëlla Anderson em “Baise-moi”. Expor a intimidade de seus corpos, para estes atores, é trabalho cotidiano. Nada demais.
 
Mas será que Tatsuya Fuji e Eiko Matsuda consideraram suas cenas de sexo em “O império dos sentidos” como algo “normal” em suas carreiras? Duvido. A mesma pergunta vale para Kieran O’Brien e Margo Stilley em “9 canções” e Chloë Sevigny e Vincent Gallo em “The brown bunny”. Poderíamos fazer outra pergunta: será que namorados, namoradas, maridos e esposas dos atores e atrizes citados consideraram as cenas explícitas destes filmes como simplesmente “representações”, “performances estritamente profissionais” e “trabalho artístico”? É complicado. Li recentemente o texto do jornalista inglês Alexander Linklater sobre suas sensações ao ver a esposa, a atriz Kerry Fox, fazendo sexo oral no ator Mak Rylance no filme “Intimidade”(de Patrice Chereau, 2001). É um excelente texto, e por isso segue o link:
http://www.guardian.co.uk/film/2001/jun/22/features.features11
A opinião da própria Kerry Fox sobre o filme está em:
http://www.guardian.co.uk/film/2001/jul/01/features
 
A neo-zelandesa Kerry Fox, aliás, é a razão de ser deste texto. Eu a conhecia por “Cova rasa” (filme de estréia de Danny Boyle, 1994), mas depois, pelo menos para mim, ela tinha saído de cena. Só agora, no começo de 2010, percebi quão extraordinária atriz ela é. Primeiro vi “Bright Star”(de Jane Campion, 2009). Logo depois, por coincidência, ela estava em “Intimidade”, que baixei na internet porque não vira o filme quando lançado e estava curioso para saber como tinha ficado a adaptação do romance de Hanif Kureishi por um diretor francês. Finalmente vi “Storm” (de Hans-Christian  Schmid, 2009). Em todos esses trabalhos ela demonstra talento, e acho que “Storm” é um grande filme, mas foi em “Intimidade” que – ao ultrapassar aquele “limite máximo” determinado por Sharon Stone – ela conseguiu uma interpretação extraordinária, que lhe valeu o maior prêmio de sua carreira: o Urso de Prata em Berlim.
 
Sei que para muitos atores e atrizes fazer o que Kerry Fox fez em “Intimidade” seria impossível. E, na verdade, pouquíssimos filmes exigem esse tipo de atuação. Patrice Chereau afirma que fez a cena explícita porque, num filme com esse título, uma cena de sexo tinha que ir além do que normalmente oferece ao público. Eu diria que, para ele, essa era uma defensável opção estética. Para os atores (e em especial para Kerry Fox), era uma dificílima opção existencial. E ela, corajosamente, topou, mesmo sabendo que o maridão a veria depois, naquela grande tela, expondo sua intimidade de um modo pouco convencional. Kerry Fox sabe, como todas as grande atrizes, o que significa a palavra “representar”, e imaginou que seu marido também sabia. Ela estava certa. O ciúme foi inevitável, mas Linklater soube lidar com ele.  Nem sempre é assim.
 
Três detalhes pra terminar. Primeiro: tanto Kerry quanto Linklater sabiam exatamente como o diretor faria as cenas de sexo, pois no roteiro estava escrito: "She sucks him off for a long time." Eu chamo isso de honestidade. Nem todos os diretores agem assim. Segundo: quando o filme foi lançado, Kerry Fox tinha acabo de ter seu primeiro filho com Linklater. Entre uma entrevista e outra, em que o fellatio era assunto inevitável, ela amamentava a criança. Eu chamo isso de loucura. Santa loucura. Terceiro: salvo engano (não pesquisei tanto assim) Fox e Linklater continuam juntos até hoje e têm dois filhos. Eu chamo isso de uma família feliz.
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