Comprei meu primeiro disco, um compacto simples de Stevie Wonder, em 1972. No lado A, "You are the sunshine of my life", cuja letra eu tinha traduzido nas aulas de inglês do Anchieta; no lado B, "Superstition". Eu tinha 13 anos e quase nenhum dinheiro, de modo que foi uma aquisição muito bem pensada. Saí da loja me sentindo mais adulto, mas só reconheci que o lado "B" era melhor um bom tempo depois. Meu primeiro LP foi no ano seguinte, 1973 – é claro: o primeiro dos Secos e Molhados – que eu conhecera graças aos meus irmãos mais velhos, que tinham um esquema com um amigo dono de uma loja de discos. Eles pegavam alguns LPs no sábado e devolviam na segunda, depois te ter gravado tudo em fitas cassete TDK Super-Avilyn, num gravador TEAC que era uma maravilha tecnológica. Eles também não tinham muito dinheiro na época, de modo que, por favor, leitores, perdoem essa confissão de pirataria familiar acontecida há 36 anos.
Lembrei desses episódios pouco glamurosos de minha educação musical para ilustrar o que é uma distribuição de bens culturais na lógica da "cauda curta". Chris Anderson, editor da revista Wired, explicou as modificações que a Internet está trazendo para a economia e, mais especificamente, para a distribuição de bens digitalizáveis, através do conceito de "cauda longa" ("long tail", em inglês). Resumindo: tradicionalmente, na economia há uma procura elevada por alguns poucos produtos, vendidos em massa, e um consumo bem pequeno de uma infinidade de produtos, que são retirados do mercado assim que possível. É a "cauda curta", que aparece num gráfico chamado "curva de Pareto". Eu comprei Stevie Wonder em 1972 e Secos e Molhados em 1973 porque eles eram produtos divulgados massivamente e oferecidos com destaque nas lojas. O primeiro era popular o suficiente para estar numa aula de inglês. O segundo vendeu um milhão de cópias em apenas um ano.
Com o passar do tempo, aprendi que era possível fugir à ditadura dos sucessos que tocam no rádio e procurar a música que mais me interessava nas lojas de discos. Eu pensava, enquanto fuçava nas prateleiras da King’s, que ali estava uma bela amostra da melhor música do planeta. Com o passar de muito mais tempo, percebi que continuava numa ditadura. Ali só estava o que a indústria cultural selecionara para mim. Era uma fatia muito pequena da música: apenas a que tinha condições de cumprir as expectativas comerciais das gravadoras e das distribuidoras. Eu comprava coisas estranhas como Van der Graaf Generator e achava que só eu gostava, mas havia, com certeza, alguns milhares de outros fãs no Brasil, ou o disco não estaria lá.
Hoje a ditadura acabou. E não acabou de forma lenta e gradual. A internet, graças a Deus e à banda larga, deu uma porrada decisiva na ditadura. Nada contra Stevie Wonder e Secos e Molhados, mas as estantes agora são muito maiores e muito mais interessantes. Não compro um CD faz tempo. Em vez disso, vou atrás da música que me interessa no mundo inteiro. As bandas não precisam mais ter milhares de fãs. Até gostariam de tê-los, e algumas conseguem essa façanha – às vezes com o decisivo apoio da internet -, mas o velho e ruim sucesso industrial é apenas parte do cenário. Não sei quantos fãs no Brasil têm as duas bandas que agora apresento pra vocês. Desconfio que poucos. No entanto, são as minhas bandas preferidas, e eu tenho ouvido suas músicas até gastar meus ouvidos, já que os arquivos digitais, ao contrário do velho e bom vinil, não gastam.
Chamam-se "Wussy" e "Heartless bastards". As suas vocalistas – as musas do título deste post – chamam-se Lisa Walker e Erika Wennerstrom. Alguém conhece? Cheguei à primeira através de uma pequena nota na revista "Spin", e à segunda pelas associações tradicionais da internet. As duas bandas são da mesma cidade, Cincinatti, no estado de Ohio. São bandas pequenas, com carreiras ainda curtas, três ou quatro discos. E, provavelmente, com apenas dois fãs no Brasil (já que as apresentei pra Luciana, e ela também gostou). Talvez agora tenham mais. Pra facilitar, passo logo os links iniciais do Wussy e dos Heartless bastards. É óbvio que as bandas estão no Youtube. Se alguém mais gostar, ótimo, podemos até iniciar um fã clube. Se ninguém gostar, tudo bem, eu e a Luli seguiremos sendo os únicos dois.
O rock não morreu. Está vivo – e quicando – na longa cauda da internet.
Lisa Walker e Erika Wennerstrom
A série musical em sete episódios “Um ano em Vortex” estreia no proximo dia 29 de novembro, na Cuboplay. Na noite anterior, um show histórico, com as sete bandas da série, acontece no bar Ocidente (ingressos à venda no Sympla).
Sessão única de A Nuvem Rosa em Londres! 14 de novembro, com debate com a diretora Iuli Gerbase. Tickets à venda no insta do @cine.brazil
Filmada em 2021, ainda sob os efeitos da pandemia e cumprindo rigorosos protocolos de saúde, a série em 10 episódios “Centro Liberdade” começa a ser exibida pela TV Brasil no próximo dia 19 de julho. Resultado do edital “TVs Públicas”, a série foi escrita e dirigida por Bruno Carvalho, Cleverton Borges e Livia Ruas, com […]
Acesse a entrevista aqui.